lunes, 7 de septiembre de 2015

ENTREVISTA CONJUR

Por André Rufino do Vale

Os filósofos do Direito do “mundo latino” precisam estar mais em contato uns com os outros. O distanciamento tem feito com que a produção desse grupo de pensadores seja “dispersa”. O resultado, no entendimento do professor Manuel Atienza Rodríguez, da Universidad de Alicante, na Espanha, é uma tendência de que os juristas latinos passem a “importar” conceitos, problemas e construções do mundo anglo-saxão.

“Não nos damos conta, mas o que estamos importando das universidades do mundo anglo-saxão são problemas, métodos de análise e objetivos que podem não ser exatamente os que seriam de maior interesse para nós”, diz, em entrevista à revista Consultor Jurídico. A solução, para ele, é criar “uma filosofia do Direito para o mundo latino, tanto na América quanto na Europa”.

É uma espécie de programa, ou projeto, para reunir pensadores responsáveis por desenvolver um Direito latino e colocá-los em contato. “Seria algo como uma filosofia do Direito 'regional', que ocuparia um lugar intermediário entre o que agora se faz em cada um de nossos países e a filosofia do Direito no âmbito mundial — que, na realidade, é a filosofia que se elabora em algumas universidades do mundo anglo-saxão e se exporta a outras partes do mundo”, explica o professor.

Manuel Atienza é catedrático de Filosofia do Direito da Universidade de Alicante, na Espanha, e diretor da pós-graduação em Argumentação Jurídica do curso de Direito da instituição. Foi diretor da revista Doxa-Cuadernos de Filosofía del Derecho e já foi membro da Academia Europeia de Teoria do Direito e professor visitante da Universidade Autônoma de Madri.

Atienza falou à ConJur com exclusividade, em visita ao Brasil para palestras e cursos. Em sua passagem por Brasília, o professor espanhol proferiu o curso de argumentação jurídica na Universidade de Brasília (UnB), e palestra no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Para esta entrevista, ele conversou com um de seus alunos, o procurador federal André Rufino do Vale, também colunista da ConJur. Rufino hoje está na Consultoria-Geral da União e é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Leia a entrevista:

ConJur — Depois de um mês de cursos e palestras em diversas cidades brasileiras (Florianópolis, Rio de Janeiro, Recife, Belém, Brasília), qual a a impressão do senhor sobre o atual desenvolvimento da teoria do direito no Brasil?
Manuel Atienza Rodríguez — Minha impressão é que há muito interesse na matéria, e não só por parte dos “filósofos profissionais” do Direito. Surpreendeu-me, por exemplo, e de modo muito positivo, ver que os constitucionalistas brasileiros estão muito antenados em relação aos temas jusfilosóficos mais candentes dos últimos tempos: o debate sobre o positivismo, os princípios, a ponderação... No entanto, ao mesmo tempo, parece-me que existe também uma considerável dispersão e que falta poder articular toda uma série de pesquisas que estão sendo desenvolvidas um tanto isoladamente.

ConJur — Como assim?
Manuel Atienza — Posso estar equivocado, mas creio que esses pesquisadores (que compartilham as mesmas preocupações) muitas vezes não se conhecem entre si, ou se conhecem muito pouco. Os trabalhos que escrevem parecem estar, com frequência, orientados mais a um auditório de alemães ou de norte-americanos do que a juristas brasileiros. Há uma tendência a assumir posições excessivamente abstratas que não me parecem adequadas adequadas para dar resposta aos problemas que realmente importam.

ConJur — O senhor pode dar um exemplo?
Manuel Atienza — Parece muito estranho que se possa pensar que Heidegger nos dará a chave para a compreensão ou a crítica das súmulas vinculantes. Enfim, correndo o risco de parecer provocador, eu diria que a filosofia do Direito brasileira necessita de menos hermenêutica e mais filosofia analítica. E que conste que, em muitos aspectos, eu sou muito crítico em relação ao que, em países como Argentina e Espanha, fazem os filósofos analíticos.

ConJur — O senhor tem defendido "uma filosofia do Direito para o mundo latino", a qual teria a função primordial de resgatar os principais nomes da filosofia do direito dos países da Europa ibérica e da América Latina. Pode explicar esse projeto?
Manuel Atienza — Efetivamente escrevi vários trabalhos tratando de promover uma filosofia do Direito para o mundo latino, tanto da América quanto da Europa. Creio que essa foi minha vocação desde que comecei a me ocupar da filosofia do Direito, já há mais de 40 anos. Seria algo como uma filosofia do Direito “regional”, que ocuparia um lugar intermediário entre o que agora se faz em cada um de nossos países e a filosofia do Direito no âmbito mundial – que, na realidade, é a filosofia que se elabora em algumas universidades do mundo anglo-saxão e se exporta a outras partes do mundo.

ConJur — O projeto seria, então, criar um pensamento latino, como há hoje um pensamento anglo-saxão.
Manuel Atienza — Muitas vezes não nos damos conta, mas o que estamos importando das universidades do mundo anglo-saxão são problemas, métodos de análise e objetivos que podem não ser exatamente os que seriam de maior interesse para nós. Creio que se lográssemos articular uma comunidade jusfilosófica no conjunto de países do mundo latino (aproveitando a proximidade existente desde o ponto de vista cultural, linguístico etc.), poderíamos contribuir também para uma filosofia do Direito mais equilibrada no plano global.

ConJur — Esse projeto já está em prática?
Manuel Atienza — Convocamos um primeiro congresso em Alicante, na Espanha, para os dias 26 a 28 de maio de 2016, com o objetivo de dar um primeiro passo nessa direção. Mas para que fique claro: não se trata de ir contra os anglo-saxões, mas de potencializar o que se faz (e o que se poderia fazer) em nossos países. Tem a ver com algo a que antes me referia, e que não afeta unicamente aos jusfilósofos, aos juristas brasileiros: com frequência, se tem a impressão de que em nossos países, no mundo latino, renunciamos a ter um pensamento próprio (na filosofia do Direito e em muitos outros campos) e de que a única coisa de que somos capazes é de comentar ou difundir o que outros pensam. E eu creio que podemos, e devemos, aspirar a mais.

ConJur — Tem sido tema frequente das palestras do senhor o chamado neoconstitucionalismo. O assunto é bastante polêmico, especialmente na América Latina. Como o senhor se posiciona em relação a ele?
Manuel Atienza — A discussão em torno do chamado “neoconstitucionalismo” é um acúmulo de confusões. Para começar, o próprio termo é confuso (equívoco e equivocado): não tem sentido chamar assim uma teoria do Direito que nunca foi precedida por uma teoria “constitucionalista”. É também equivocado sustentar que as teses que comumente se apreendem dos autores “neoconstitucionalistas” estão respaldadas pelas obras de autores como Dworkin, Alexy, Nino ou Ferrajoli, que, certamente, nunca se autodenominaram “neoconstitucionalistas”. Enfim, se por “neoconstitucionalismo” se compreende uma teoria que nega que o raciocínio jurídico seja distinto do raciocínio moral, que identifica o Direito com os princípios e se desentende das regras, que promove a ponderação frente à subsunção e que apoia o ativismo judicial, então essa é, sem mais, uma concepção equivocada, insustentável, do Direito. Pode-se entender, não justificar, como uma reação frente ao formalismo jurídico, que provavelmente continue sendo o traço mais característico da cultura jurídica nos países latinos.

ConJur — O senhor, então, se opõe ao neoconstitucionalismo?
Manuel Atienza — A reação frente a esses excessos formalistas não pode incorrer no excesso contrário. Sou partidário de uma concepção pós-positivista (constitucionalista), próxima a de autores como Dworkin, Alexy, Nino ou MacCormick, que se opõem tanto ao positivismo jurídico (a qualquer tipo de positivismo) quanto ao "neoconstitucionalismo”. A ideia central é que o Direito não pode ser concebido simplesmente como um sistema de normas, mas, fundamentalmente, como uma atividade, uma prática social que trata, dentro dos limites estabelecidos pelo sistema, de satisfazer a uma série de fins e valores que caracterizam essa prática. Por isso dou tanta importância à argumentação: por entender que é o instrumento adequado para obter esses objetivos, que são, afinal, garantir os direitos fundamentais das pessoas.

ConJur — O senhor tem sido considerado um dos principais pensadores atuais no contexto do denominado constitucionalismo teórico, ao lado de outros grandes nomes, como o do jurista italiano Luigi Ferrajoli. Quais são seus principais pontos de divergência em relação ao constitucionalismo de Ferrajoli?
Manuel Atienza — Sinto uma grande admiração, pessoal e profissional, por Ferrajoli e por isso lamento não estar de acordo com ele em alguns pontos teóricos que me parecem importantes – embora minha concordância com ele no plano político seja completa. Essas diferenças teóricas são basicamente duas. A primeira se refere à sua concepção positivista do Direito, da qual não compartilho porque me parece excessivamente pobre. Resumo minha posição em três aspectos: não creio que se possa separar o Direito da Moral da maneira estanque que Ferrajoli propõe (o que não significa que eu pense que o Direito é uma parte da Moral, nem nada desse estilo); tampouco compartilho sua tendência a ver o Direito quase exclusivamente como um conjunto de regras, e nem com a sua desqualificação radical da ponderação.

ConJur — E qual o segundo ponto de discordância?
Manuel Atienza — A segunda é que me oponho ao não-cognoscitivismo, ou ceticismo ético (no plano da teoria ética) que ele propugna. Pelo contrário, eu defendo o objetivismo moral (se assim se quer, mínimo; mas objetivismo), porque me parece que isso é um pressuposto necessário para poder dar conta do Direito do Estado constitucional e para poder atuar com sentido no interior das práticas jurídicas. Em particular, da judicial.

Entrevista

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